Entrevista exclusiva com Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa)

O projeto de um Brasil como vanguarda na produção e aplicação de bioinsumos demanda propostas e políticas articuladas pelo Poder Público, com vistas a estimular uma economia baseada em tecnologias verdes. Afinal, estes processos garantem também maior eficiência na produção de alimentos frente à população mundial crescente, eventos climáticos extremos e instabilidade no cenário geopolítico. 

Em um bate papo exclusivo com a ABBI, representantes do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) discutem as estratégias para o avanço da bioinovação e da adoção de bioinsumos, considerando sua importância para a sustentabilidade, a soberania nacional e o desenvolvimento econômico. Marco regulatório, parceria com diferentes segmentos e redução da importação de fertilizantes são alguns dos tópicos abordados durante a entrevista. 

ABBI: Ao longo dos últimos anos, as diferentes gestões do Governo Federal implementaram importantes iniciativas voltadas ao uso de bioinsumos na agricultura brasileira, como o Plano Nacional de Fertilizantes, o Programa Nacional de Bioinsumos e a Rede de Inovação e Bioinsumos. Dessa forma, qual é a visão do atual Ministério da Agricultura e Pecuária em relação ao futuro da bioinovação e dos bioinsumos no setor agrícola? De que modo o Ministério vem promovendo o desenvolvimento e a adoção dessas tecnologias disruptivas para os próximos anos?

MAPA: Todos os estudos e pesquisas   apontam   que os bionsumos vêm se tornando o novo padrão tecnológico no Brasil e no mundo, em razão de uma série de fatores, entre eles a demanda da sociedade por produtos mais amigáveis ao meio ambiente e o s avanços na ciência e tecnologia, que permitiram melhorar o conhecimento sobre as interações biológicas e, por consequência, sobre o s bioinsumos. Não podemos esquecer que, nesta seara, devemos considerar o grande ativo que dispõe o Brasil, que é a sua   grande biodiversidade. Dessa forma, dentro do Programa Nacional de Bioinsumos — desde 2020 —, estabelecemos prioridades para começarmos a fortalecer o desenvolvimento e aplicação dos insumos biológicos. Os pontos principais, os quais foram definidos por um conselho estratégico, englobam o aperfeiçoamento do marco regulatório, investimentos em ciência e tecnologia para inovação, capacitação e conhecimento, estímulo ao desenvolvimento de programas estaduais e estabelecimento de laboratórios de inovação compartilhados (bio fablabs). No que diz respeito ao marco regulatório, foi feito um esforço do Executivo para elaborar uma proposta de projeto de lei e, em paralelo, surgiram iniciativas do Congresso na mesma linha, visando um arcabouço que promova o uso de bioinsumos no país. Quanto à capacitação, o Ministério despendeu   recursos na elaboração de cursos para ampliar o conhecimento de produtores rurais e profissionais que trabalham nesta área. Também atuamos nas conexões e estabelecimentos de redes — como a Rede de Inovação e Bioinsumos — enquanto mecanismos para colocarmos os diferentes atores em contato sobre o tema e fortalecermos as coleções de microorganismos para uso na agropecuária.  O evento de matchmaking que fizemos em Juazeiro-BA e Petrolina-PE, em parceria com ABBI, SENAI CETIQT e SEBRAE, é um exemplo de espaço para um ambiente de negócios e articulação, por meio do qual possibilitamos a interação entre solucionadores e empresas que propõem desafios específicos. Outra parceria que vale citar é aquela   com a Embrapa Agricultura Digital, que desenvolveu um aplicativo digital direcionado à divulgação de bioinsumos registrados no MAPA para uso comercial. Considerando os recursos biológicos como somatório dos recursos genéticos, devemos lançar uma Política Nacional de Recursos Genéticos. De modo geral, há uma virada da sociedade por mais sustentabilidade na agricultura, e esta é uma das estratégias que o MAPA vem estabelecendo para endereçar esta demanda com o objetivo de gerar bioprodutos   e incentivar o empreendedorismo.  Por fim, visamos um avanço também na área de processos, pois ferramentas tecnológicas — como a biologia sintética — serão fundamentais para que os bioinsumos sejam fortalecidos no Brasil e no mundo, em busca de uma agricultura sustentável.

ABBI: Quais são as oportunidades e os desafios mapeados pelo Ministério no que diz respeito à regulamentação e ao estímulo de bioinsumos por meio de tecnologias que resultem no desenvolvimento econômico sustentável? 

MAPA: Um aspecto que surge como oportunidade dentro do texto que tramita no Congresso é o estímulo ao uso e desenvolvimento de bioinsumos, como mecanismos de apoio à produção, desenvolvimento e facilitação ao crédito. Outro elemento é a possível regulamentação dos bionsumos produzidos dentro da fazenda para uso   próprio (também chamado on farm ) , com vistas a dar um suporte legal a essa prática, gerenciar as unidades de produção própria e definir procedimentos padrão de qualidade e identificação de organismos. Quanto ao Programa Nacional de Bioinsumos, entendemos que seus pontos fortes estão na desvinculação dos bioinsumos do arcabouço legal aplicado aos químicos, sendo importante registrar avanços que já foram realizados, antes mesmo dessa discussão no parlamento, como a o emprego das especificações de referência para produtos biológicos destinados ao controle fitossanitário, sem descuidar das garantias de segurança do produto tanto para a o ambiente quanto para o consumidor. Considerando a expertise do Brasil, o desenvolvimento de bioinsumos tem espaço para todos    os segmentos, como a iniciativa privada, grandes produtores, agricultura orgânica, ecológica e regenerativa. No entanto, a legislação atual não contempla de forma adequada as possibilidades de registro de bioinsumos, especialmente os de dupla ou múltipla aptidão. Há também a falta de harmonização nos termos utilizados, o que estabelece alguns desafios no nível regulatório.

ABBI:  O Brasil é o quarto maior mercado de fertilizantes, entretanto ele ainda importa cerca de 80% desses produtos utilizados na produção agrícola. De que forma o Ministério está trabalhando em parceria com o setor privado e com instituições de pesquisa para reduzir a dependência de importação e impulsionar a agricultura de baixo carbono baseada na bioinovação? 

MAPA: Acreditamos que o MAPA vem trabalhando junto ao setor privado por meio do estabelecimento de boas práticas para a fabricação dos bioinsumos, as quais são fundamentais para a qualidade e eficiência desses produtos e processos no Brasil. Há também o Programa Nacional de Fertilizantes — desenvolvido em 2022 —, no qual há uma expectativa da interação com o Programa Nacional de Bioinsumos para incentivo aos insumos biológicos. Outras atividades estratégicas incluem editais da FINEP e MCTI, para o desenvolvimento de   biodefensivos e bioinsumos, considerando também as vertentes de novos adubos. Além do aspecto da sustentabilidade, a crise de fertilizantes oriunda do cenário geopolítico mundial instável nos alertou sobre    a necessidade de reduzir a dependência externa desse importante insumo para a produção. Por isso, houve um incremento das políticas públicas já existentes e direcionadas ao tema, como a Rede Fértil Brasil, da Embrapa, com mais de 200 pesquisadores trabalhando com fertilizantes orgânicos e inoculantes naturais. No MAPA, temos o Plano ABC +, que tem como uma das metas aumentar em 13 milhões de hectares a área com uso de bioinsumos.  A   Embrapa também publicou relatório no qual são apresentadas as tecnologias poupa terra, para aumentar a produção agrícola em menos área. Em resumo, o Brasil está na vanguarda no uso de bioinsumos, uma vez que o produtor brasileiro sabe da existência e importância dos recursos biológicos. 

ABBI:  É possível avaliar qual o papel da bioeconomia avançada para a soberania nacional na agricultura por meio de sistemas produtivos sustentáveis?

MAPA: A bioeconomia é um assunto de urgência mundial, não só pelo seu aspecto ambiental, mas também pelos benefícios econômicos e sociais que ela traz para a produção. No Brasil, temos diferentes focos relacionados a este avanço: o Ministério de Minas e Energia trabalha nos biocombustíveis, enquanto o Ministério de Meio Ambiente foca na bioeconomia avançada a partir da biodiversidade. Já o Ministério de Agricultura foca na parte de bioinsumos e recursos genéticos para a alimentação e agricultura buscando o desenvolvimento de uma produção agropecuária sustentável e resiliente  às mudanças climáticas. Na área industrial, temos como referência a indústria de cana-de-açúcar e de floresta plantada, que são grandes cadeias exportadoras para demais países. Também nos colocamos como parceiros no fomento e desenvolvimento regulatório para que a indústria se aproprie cada vez mais desse conhecimento e alavanque a bioeconomia avançada no país junto aos atores estratégicos.