Era de bioinsumos no Brasil: redefinindo fronteiras na produção sustentável

Na era do ESG (sigla em inglês para práticas ambientais, sociais e governança corporativa), competitividade e sustentabilidade são coordenadas para o mapa estratégico direcionado às soluções sustentáveis. Neste contexto, temos os bioinsumos, recursos biológicos que atendem à demanda da produção agropecuária e florestal por menos impacto ao meio ambiente e por um uso resiliente da rica biodiversidade brasileira.

Pilar da bioeconomia, o uso desses produtos é uma tendência mundial já vista no Brasil. Os dados validam a afirmação: de acordo com a pesquisa de mercado realizada pela Spark Smarter Decisions, enquanto o consumo médio mundial de bioinsumos é de 15%, as taxas no Brasil atingem a casa dos 28%, movimentando mais de R$ 1 bilhão anualmente. Na mesma linha, o relatório divulgado pela CropLife aponta que a adoção em larga escala dos insumos biológicos deve aumentar em 70% na comparação anual de 2022/2023, resultando em R$ 5,6 bilhões.

De origem animal, vegetal ou microbiana, os bioinsumos são capazes de impulsionar a produção agrícola e florestal, combatendo também pragas que ameaçam as plantações. Eles são utilizados para nutrir as plantas, realizar controles biológicos e mitigar estresses bióticos e abióticos de forma sustentável.

Dessa forma, obtém-se mais eficiência produtiva com segurança alimentar garantida, menor emissão de gases de efeito estufa e maior preservação dos solos e recursos hídricos. As vantagens econômicas também são evidentes, já que a tecnologia verde agrega valor aos produtos, permitindo acessos a mercados mais exigentes e certificações de sustentabilidade, cada vez mais valorizadas pelos consumidores.

Segundo Hellen Abreu, gerente de Assuntos Regulatórios da Oxitec, os bioinsumos podem ser expandidos por meio da bioinovação: “Desenvolver e promover a utilização de bioinsumos, como acontece nos projetos de biotecnologia desenvolvidos na Oxitec, está diretamente relacionado à bioinovação que, em seu conceito, compreende justamente esse processo de desenvolver tecnologias inovadoras baseadas em recursos biológicos para produzir novos produtos que resultem em benefícios sociais e ambientais e no desenvolvimento econômico sustentável”, explica.

Organização focada no desenvolvimento de estratégias para o combate de pragas relacionadas à saúde pública e ao agronegócio, a Oxitec é um dos expoentes que contribuem para a promoção dos bioinsumos no Brasil. Isso porque ela se baseia na tecnologia autolimitante em que um inseto é utilizado para combater a própria espécie, atuando no manejo integrado de pragas a partir da redução no uso de defensivos químicos.

“Uma vez que o objetivo da Oxitec é desenvolver sistemas direcionados, seguros e sustentáveis para proteger plantações contra a crescente ameaça das pragas mais prejudiciais do mundo, os projetos para ampliação do portfólio são definidos com base em sistemas que possam trazer esses benefícios de maneira consistente para as principais culturas dos locais de interesse”, explica Hellen.

De acordo com a gerente de Assuntos Regulatórios da organização, o portfólio da empresa inclui a comercialização para o agronegócio da Spodoptera do Bem, que ajuda na redução da lagarta-do-cartucho de milho de forma segura e ambientalmente sustentável. Outros projetos buscam ampliar o uso de bioinsumos a partir de soluções direcionadas à lagarta-falsa-medideira da soja, por exemplo.

Mesmo que de forma mais específica, os insumos biológicos também são aliados do setor florestal, pois promovem um cultivo de árvores mais equilibrado e fortalecem a resistência das árvores contra pragas e doenças.

Neste sentido, Reginaldo Mafia, gerente de Tecnologia em Manejo Florestal da Suzano aponta a principal vertente apropriada: “Na linha de bioinsumos, temos como aplicação real a produção de inimigos naturais de pragas de eucalipto, pois esta é uma cultura que, como qualquer outra, é atacada por uma grande diversidade de pragas. Na Suzano, temos laboratórios em todos os nossos sitesque produzem soluções contra essas pragas. Com o controle biológico, ficamos livres do uso de produtos químicos e da necessidade de gasto energético para aplicação das áreas de plantio.”

Conforme explica Mafia, outra dimensão ainda em desenvolvimento no setor florestal é o uso de produtos biológicos para melhorar a disponibilidade de nutrientes e aumentar o crescimento das plantas de eucalipto. A partir desse panorama, a fabricante de papel e celulose trabalha em parcerias para soluções mais aderentes às necessidades das florestas, que são diferentes das demandas de agricultura. 

“A pegada de carbono é gigantesca se importarmos fertilizantes de outro país, por exemplo. Por isso, estimular a produção interna de bioinsumos resulta em uma menor pegada de carbono”, explica Reginaldo. Os ganhos permeiam também os aspectos sociais. “Se tivermos no Brasil uma promoção a este tipo de mercado, estimularia a divisão de renda, pois teríamos iniciativas menores de empresas mais especializadas, repartindo melhor os lucros e dividendos desse mercado”, complementa.

Oportunidades e desafios marcam as fronteiras de bioinsumos

Segundo relatório produzido pela Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda) e divulgado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo e cerca de 85% deste total é importado. Retomando o estudo da CropLife, o mercado de bioinsumos no Brasil deve triplicar até 2030, contudo o segmento ainda representa somente 3% do total de produtos utilizados pelos produtores para a proteção de cultivos. 

O plano de fundo representa uma lacuna promissora a ser preenchida pela indústria baseada em bioinovação e bioeconomia no país, a qual deve ser endereçada também pelo setor público. Um exemplo disso é o Programa Nacional de Bioinsumos, lançado pelo Governo Federal em 2020. 

Alinhado às necessidades de inovação nos segmentos agrícola, aquícola, florestal e pecuário, ele propõe ampliar e fortalecer o segmento de insumos de base biológica, ofertando tecnologias, produtos, processos, conhecimento e informações sobre uma gama de bioinsumos aplicados à nutrição do solo, controle de pragas, tratos culturais e à otimização de processos relacionados à pós-colheita.

“A aprovação do Programa Nacional de Bioinsumos, em 2020, abre um leque de oportunidades de discussão e demonstra que o Governo percebe o tema como sendo de grande relevância para o agronegócio do país. Sabemos que tecnologias disruptivas são fundamentais para desenvolver novas formas de se atuar num problema já existente e enxergamos o uso de bioinsumos como uma oportunidade crucial de aprimoramento das práticas agrícolas utilizadas no país”, elucida Hellen Abreu, gerente de Assuntos Regulatórios da Oxitec,

É consenso que o ambiente regulatório deve ser propício ao desenvolvimento de tecnologias baseadas em recursos biológicos para sustentabilidade econômica e social.  Ao mesmo tempo, este é um desafio posto: “Ainda faltam políticas para acelerar as empresas menores especializadas e estimular o desenvolvimento e ofertar mais produtos. É importante que o ambiente regulatório não seja um gargalo no desenvolvimento desses processos”, pontua Reginaldo Mafia, gerente de Tecnologia em Manejo Florestal da Suzano.

Tal alinhamento é essencial sobretudo em um momento de queda na oferta mundial de fertilizantes e o aumento generalizado de preços, ocasionado pela Guerra da Ucrânia, explica o porta-voz. “É uma corrida para nos tornarmos mais autoeficientes e autossuficientes”.

Na área de controle biológico, a avaliação de Hellen segue a mesma perspectiva: “Acreditamos que o principal desafio seja regulatório, pois é fundamental que haja regulamentação que promova segurança jurídica aos diferentes tipos de produtores, trazendo isonomia competitiva, ao mesmo tempo que traga processos regulatórios e obrigações adequadas a cada tipo de produto, de modo a não inviabilizar o desenvolvimento e investimento produtos disruptivos no país,” avalia.

Para solucionar os impasses, a atuação dos Poderes Executivo e Legislativo é elementar: “A discussão de um Projeto de Lei sobre Bioinsumos que vem ocorrendo tanto na Câmara dos Deputados (PL 658/2021) quanto no Senado (PL 3668/2021) indicam que o assunto é estratégico. Certamente, a Lei que, finalmente, entrar em vigor poderá trazer grandes impactos ao setor. Esperamos que sejam impactos positivos, promovendo a continuidade de investimentos em novos produtos a serem utilizados como bioinsumos”, finaliza Hellen.

Com a maior biodiversidade do planeta, o Brasil é considerado um líder em bioinsumos e segue com grande potencial para avançar nesta tecnologia. Para tanto, o caminho já está sendo trilhado: incentivo público, discussão em ambiente regulatório, conhecimento científico aplicado e a ampla recepção dos produtores aos benefícios para seu negócio e para o meio ambiente.