Entrevista exclusiva com Rodrigo Rollemberg, secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços

Certos da relevância da bioeconomia para a consolidação de uma indústria disruptiva e sustentável, a nova gestão do Governo Federal engloba também a Secretaria da Economia Verde,  Descarbonização e Bioindústria, cujo foco está no desenvolvimento de um ambiente institucional voltado para o avanço de tais rotas tecnológicas.

Nesta entrevista exclusiva concedida à ABBI, Rodrigo Rollemberg, secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria avalia como a bioeconomia pode inserir o Brasil na cadeia de valor global e qual o seu papel na reindustrialização do país.

1. De que modo a bioeconomia pode inserir a indústria brasileira na cadeia de valor global por meio da descarbonização? Qual o papel da Secretaria de Economia Verde em tais práticas?

O Brasil tem finalmente a possibilidade real de fazer um catch up tecnológico-industrial, ocupando posição de liderança na economia mundial na produção e exportação de produtos de setores chave da bioindústria. A bioeconomia oferece a oportunidade de consolidação de uma nova indústria no Brasil. A bioindústria pode promover o crescimento econômico ao mesmo tempo em que ajuda o Brasil a alcançar seus compromissos ambientais assumidos internacionalmente, inclusive os objetivos de descarbonização e conservação da biodiversidade.

A bioindústria faz uso de tecnologias que ainda estão no estágio de desenvolvimento e escalonamento no mundo, são áreas em que o catch up tecnológico é viável ao Brasil. Além disso, o Brasil dispõe de condições excepcionais de disponibilidade de biodiversidade e de capacidade produtiva sustentável de biomassa, que são os dois principais insumos dessa nova indústria. Somos o país com a maior diversidade de patrimônio genético do mundo.

No Brasil, a área de pastagem total é de 159 milhões de hectares, dos quais 66 milhões estão em estado de degradação intermediárias e 35 milhões em situação de degradação severa. Ou seja, o país tem uma enorme área disponível para aumentar a produção de biomassa sem precisar derrubar uma só árvore.

O Brasil dispõe, ainda, de capacidade científica para apoiar a consolidação de rotas tecnológicas prioritárias, focadas na superação de lacunas importantes para a produção bioindustrial e a conquista do mercado mundial de diversos tipos de produtos de alta e crescente demanda. O parque industrial nacional dispõe ainda de várias empresas em setores chave para a bioeconomia, que podem funcionar como âncoras de um processo de consolidação de cadeias produtivas essenciais para a promoção da transformação energética e a descarbonização da economia.

A bioindústria é intensiva em tecnologia, inovação e usa basicamente duas fontes principais de matéria-prima: biomassa e biodiversidade. Os setores produtivos combinam de formas diferentes essas duas matérias-primas para gerar seus bioprodutos. Uma gama importante de setores tem na biomassa sustentável seu principal pilar, como as indústrias de biocombustíveis, novos biomateriais, química renovável, entre outros. Outra vertente dessa indústria tem foco principal no uso da biodiversidade, produzindo biofármacos, fitoterápicos, insumos, alimentos funcionais e cosméticos de alto valor agregado.

Esses setores, intensivos em uso de patrimônio genético e conhecimentos tradicionais a ele associados, têm grande potencial para fazer a inclusão produtiva das populações de Povos Indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultores Familiares nas cadeias produtivas nacionais e internacionais.

A Secretaria de Economia Verde tem a missão de transformar todo esse potencial em realidade. O Estado brasileiro e o Projeto de Nação aprovado nas urnas definiu que as políticas de neoindustrialização do Brasil deveriam tratar de forma prioritária a neoindustrialização da bioeconomia e por essa razão criou um ambiente institucional específico. A Secretaria de Economia Verde tem a missão de ajudar o Brasil a fazer o catch up industrial tecnológico da bioindústria intensiva em biodiversidade e biomassa sustentável, para ser líder mundial na produção e exportação de bioprodutos. 

2. Quais são as perspectivas do governo brasileiro para a promoção de soluções industriais aplicadas em bioeconomia e do incentivo à inovação tecnológica nos setores produtivos? 

Entendo que a própria criação da Secretaria de Economia Verde, dentro do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior sinaliza o grau de importância que o novo Governo brasileiro deu a esse tema. Nós precisamos reindustrializar o Brasil. E faremos isso aproveitando as vantagens comparativas do nosso País. Nesse sentido, precisamos entender que todas as estratégias e ferramentas de fomento à consolidação da bioindústria e à bioinovação serão colocadas à disposição desse objetivo.

A Economia Verde ganhou uma Secretaria especializada, justamente para ter maior condição de abordar todas as vertentes de políticas públicas necessárias à promoção de soluções industriais aplicadas em bioeconomia. São muitas as aplicações de soluções baseadas em biotecnologia que podem contribuir para a redução de impacto ambiental nos setores produtivos tradicionais, inclusive os não-biológicos. A transição energética e a substituição de toda a gama de aplicações da petroquímica pela química renovável, baseada no uso de patrimônio genético e de biomassa é um bom exemplo disso.

As ferramentas de política industrial que podem apoiar o desenvolvimento dessas soluções no ambiente bioindustrial vão desde a implementação de programas de compras governamentais, encomendas tecnológicas, fomento a novos investimentos, mitigação de riscos em etapas pré-competitivas, capacitação tecnológica, reformulação de currículos, implementação e difusão de novos cursos técnicos e universitários especializados nessas áreas, entre outras.

Outra ferramenta importante para garantir o sucesso de uma política bioindustrial que permita ao Brasil se tornar um líder mundial nessa área é uma forte atuação para moldar os marcos legais internacionais que regulam o funcionamento dessas indústrias, como a Convenção de Diversidade Biológica, a Convenção do Clima e a Organização Mundial da propriedade Intelectual, por exemplo.

3. No que se refere à bioinovação, quais as principais oportunidades do Brasil para converter suas vantagens comparativas em vantagens competitivas na liderança da bioeconomia avançada global? Por outro lado, quais são os desafios dessa agenda? 

As nossas vantagens comparativas são óbvias e nos colocam em uma posição muito privilegiada. O Brasil é detentor da maior biodiversidade do Planeta. O Brasil é o único país do mundo que ainda dispõe de fronteira agrícola disponível para ampliar a produção de biomassa sem que seja necessário derrubar uma árvore que seja. E o Brasil tem o marco regulatório de ABS (Acesso e Repartição de Benefícios na sigla em inglês), ou seja, de regras para pesquisa, desenvolvimento tecnológico, produção e comercialização de produtos oriundos do patrimônio genético e dos conhecimentos tradicionais a ele associados, mais moderno e habilitador da inovação no mundo.

O Governo brasileiro sancionou em 2015 a Lei nº 13.123, Lei de Biodiversidade, que hoje é uma referência internacional para internalização de regras de ABS pelos países signatários da Convenção de Diversidade Biológica – CDB. Importante lembrar que a CDB é uma convenção com grande legitimidade da ONU, ela tem 192 partes signatárias, além da União Europeia. As discussões sobre as regras multilaterais de ABS na CDB estão chegando hoje no nível de discussão que permite à comunidade internacional entender conceitos e detalhamentos de funcionamento que o Congresso brasileiro fez entre 2013 e 2015, na etapa final do processo de construção da Lei de Biodiversidade.

Além disso, o Brasil dispõe de muitos centros de P&D públicos e privados de alto nível, que podem ajudar o país a aproveitar essa grande oportunidade e concretizar esse processo de catch up tecnológico industrial para ser um líder mundial na produção e exportação de bioprodutos da bioeconomia avançada.

Os desafios são muitos. As mudanças climáticas, a normatização dos créditos de carbono e a regulação de P&D, produção e comercialização de produtos oriundos da sociobiodiversidade no mundo, assim como os compromissos ambientais assumidos pelo Brasil impactarão cada vez mais as relações comerciais.

Mas, talvez, o nosso principal desafio já tenha sido superado. Entender que o processo de inovação tecnológica e de consolidação industrial é, sim, uma parte importante do papel do Estado é o primeiro passo. A eleição do Presidente Lula e a substituição de um pensamento ultraliberal dos anos 70, no qual o Estado se exima de promover e orientar o desenvolvimento do país, por uma visão mais realista do processo de inovação foi a virada de chave. Nenhum dos países tecnologicamente avançados em algum setor industrial-tecnológico chegou lá sem que tivesse feito forte investimento estatal em setores portadores de futuro.

A nova industrialização e a bioinovação estão no centro dessa missão. Nós faremos isso usando as ferramentas de promoção da inovação já consagradas nas economias mais avançadas, como os EUA, a Alemanha, a China, o Japão, entre outras. O Brasil tem uma chance única de ser líder mundial e em uma tecnologia e uma indústria para a qual nenhum outro país tem as mesmas condições.

4. Como a Secretaria de Economia Verde avalia o potencial da bioeconomia em gerar empregos e renda no Brasil, especialmente em regiões mais vulneráveis economicamente?

Considerando as metas e os compromissos assumidos pelos países, tanto na Convenção de Diversidade Biológica quanto na Convenção de Mudanças Climáticas, é inescapável que o mundo implemente de forma consistente os processos de transição energética e substituição da petroquímica. Além disso, o mercado mundial de biofármacos, cosméticos e alimentos orgânicos e funcionais está entre os setores que mais crescem sua demanda.

A bioindústria é uma das indústrias mais promissoras na economia mundial. Esses setores da bioeconomia são os únicos setores produtivos que podem, ao mesmo tempo, gerar:

  1. espaço privilegiado para o Brasil no mercado mundial em curto prazo;
  2. efeito multiplicador do PIB, a partir da entrada de poupança externa e da distribuição de renda por meio da geração de empregos no território nacional;
  3. redução das emissões de gases do efeito estufa e alcance dos compromissos ambientais;
  4. redução do custo de energia, fator chave também para o controle da inflação;
  5. promoção e facilitação do processo de transição energética;
  6. inclusão dos povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares como elos de várias cadeias de valor, gerando alternativas sustentáveis para a economia dos biomas brasileiros;
  7. regionalização do desenvolvimento econômico em áreas mais pobres do território.

5. O Brasil vive um processo de desindustrialização em muitos setores. O senhor acredita que a bioeconomia pode ajudar na reindustrialização do país? Como isso pode ser feito?

A participação da indústria de transformação brasileira no total das atividades econômicas em 2021 foi a menor desde 1947, segundo estudo recente da Fundação Getúlio Vargas. A indústria chegou a representar 36% do PIB em 1985 e hoje está estacionada na faixa dos 12%. Uma queda desproporcional mesmo quando comparada com países ricos que fizeram a transição para uma maior participação do setor de serviços. Os produtos da indústria de transformação perderam significativa participação nas exportações de 1997 a 2021. Cada vez mais, o próprio mercado interno brasileiro está sendo atendido por importações vindas da Ásia, especialmente da China, o que representa ameaça para geração de empregos e comércio. A produtividade na indústria de transformação brasileira em 2021 foi a menor em 21 anos. A participação da indústria nacional na manufatura mundial regrediu de 1,6% para 1,3% entre 2015 e 2020.

A bioeconomia oferece a oportunidade de desenvolvimento de uma nova indústria no Brasil. Importante considerar que esse é um setor cujas tecnologias chave ainda estão em estágios em que o catch up tecnológico é viável ao Brasil. Além disso, o país dispõe de condições excepcionais de disponibilidade de biodiversidade e de capacidade produtiva sustentável de biomassa, que são os dois principais insumos dessa nova indústria. O Brasil dispõe de capacidade científica para apoiar a consolidação de rotas tecnológicas prioritárias, focadas na superação de lacunas importantes para a produção bioindustrial e a conquista do mercado mundial de diversos tipos de produtos de alta e crescente demanda. O Brasil dispõe ainda de várias empresas em setores chave para a bioeconomia, que podem funcionar como âncoras de um processo de consolidação e amplificação de um parque industrial biotecnológico.

A bioindústria é intensiva em tecnologia, inovação e usa basicamente duas fontes principais de matéria-prima: biomassa e biodiversidade. Os setores produtivos combinam de formas diferentes essas duas matérias-primas para gerar seus bioprodutos. Um gama importante de setores tem na biomassa sustentável seu principal pilar, como as indústrias de biocombustíveis, novos biomateriais, química renovável, entre outros.

Outra vertente dessa indústria tem foco principal no uso da biodiversidade, produzindo biofarmacos e cosméticos de alto valor agregado e incluindo povos e comunidades tradicionais em suas cadeias de fornecimento. O Brasil é o país com a maior biodiversidade do Planeta, ainda por ser devidamente aproveitada e protegida pela nossa sociedade.

Empresas como Natura, GranBio, Braskem, Biotrop, Novozymes, Basf, Bayer, NeoQuímica, Clariant, L’occitane do Brasil, The Body Shop, Avon, Aché, L’oreal, Beraca, Biolab Farmacêutica, Ballagro, Fermentec, Victória MAXX, entre muitas outras são exemplos de indústrias presentes no território nacional e que já usam a biodiversidade de forma intensiva em seus produtos. A preexistência de um parque industrial como esse é de suma importância para o desenvolvimento e consolidação de uma bioeconomia nacional competitiva e que seja líder mundial em tecnologia e exportações.

Apenas o mercado mundial de biofármacos foi estimado em US$ 860 bilhões em 2030 pela Precendence Research, uma consultoria de pesquisa de mercado especializada nesses setores. Essa mesma consultoria estima que o mercado mundial da biotecnologia em geral poderá atingir a cifra de U$ 1,7 trilhão em 2030. Apenas o mercado mundial de cosméticos orgânicos ou com origem na biodiversidade, setor em que o Brasil já é forte competidor, foi estimado em US$ 50,5 bilhões pela consultoria europeia Statista, especializada em estatísticas de mercado.

No estudo feito e publicado pela própria Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), a Embrapa Agroenergia, o Laboratório Cenergia/UFRJ, o Senai/CETIQT e o LNBR/CEPEM, em um cenário de desenvolvimento do potencial da bioindústria, seria possível gerar um crescimento da produção de biocombustíveis e de bioquímicos, com redução de emissões de gases do efeito estufa em cerca de 550 milhões de toneladas de CO2eq. As estimativas do estudo indicam que o Brasil poderia exportar 8,2 milhões de toneladas de bioquímicos e 159 bilhões de litros de biocombustíveis, gerando receitas brutas de cerca de US$ 392 bilhões em 2050.

Os setores produtivos da bioeconomia têm processos menos intensivos em energia, podem gerar biocombustíveis com emissões negativas de GEE e biomateriais que podem armazenar carbono. Esses setores são altamente intensivos em tecnologia e inovação. Eles promoverão o desenvolvimento econômico regional, inclusive reduzindo a pressão sobre os biomas mais ameaçados ao promover a transição de uma economia exploratória dos recursos florestais para uma economia baseada em produtos de alta tecnologia e baixo impacto ambiental ou no uso sustentável dos produtos da biodiversidade.

6. Segundo declarações do Presidente Lula e do próprio Ministro Geraldo Alckmin, o BNDES voltará a ser um indutor para o desenvolvimento industrial do Brasil. Uma vez que a bioinovação envolve o desenvolvimento de tecnologias disruptivas que demandam grande volume de investimento e que o BNDES e a SEV estão na estrutura do mesmo ministério, existe a perspectiva de iniciativa conjunta para alavancar o desenvolvimento da bioeconomia?

Certamente, a atuação integrada de todo o sistema MDIC será chave nesse processo de neoindustrialização nacional. Mas, precisamos ir além e integrar as políticas de vários ministérios. O Ministério de Minas e Energia, o Ministério da Agricultura, o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministério dos Povos Indígenas, o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Saúde, todos têm ações importantes que se relacionam com todos os temas relacionados a essa agenda. O trabalho precisa ser feito de forma coordenada. Claro que cada ministério tem seu papel precípuo dentro dessa agenda. Enquanto o MDIC precisa ter o olhar das políticas industriais e de inovação, o MMA aportará com as questões ligadas à conservação ambiental e o Ministério de Povos Indígenas trará contribuições para que os direitos desses povos sejam respeitados e que seus pontos de vista sejam considerados na elaboração das políticas públicas, por exemplo.

7. Como a bioeconomia pode ajudar no desenvolvimento regional no Brasil?

Os setores produtivos da bioeconomia estão muito ligados às características e potenciais de cada bioma. Nesse sentido é possível associar o seu crescimento ao desenvolvimento econômico local. É importante perceber, por exemplo, que as biorrefinarias, onde já se iniciou todo o processo de substituição da indústria petroquímica, tem uma característica de desconcentração econômica no território, justamente por ter essa característica de obtenção dos insumos específicos de cada região ou bioma.

As indústrias de cosméticos, em muitos casos, também seguem essa lógica quando se utilizam de insumos da biodiversidade. Algumas delas já possuem centros de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação na Amazônia. Também há parques industriais montados na região. Em todo o território nacional há investimentos relacionados ao uso da biodiversidade acontecendo.

A bioindústria permite a expansão de cadeias produtivas sustentáveis para a Amazônia, o Cerrado, a Caatinga, a Mata Atlântica, os Pampas e o Pantanal. Para isso teremos que investir em capacitação, eficiência produtiva e aporte de tecnologias. Ajudar a organizar cooperativas agroextrativistas que permitam a integração das populações que vivem nos biomas às cadeias nacionais e globais é parte chave desse processo.

O Centro de Biotecnologia da Amazônia tem potencial para ser um grande centro indutor desse processo de desenvolvimento tecnológico de produtos que nos permitam estabelecer essas cadeias produtivas. Mas é importante entender o processo de desenvolvimento da bioeconomia como um processo que envolve uma gama variada de setores produtivos. Todos eles têm potencial para a promoção do desenvolvimento regional.

8. Temas como biodiversidade, patrimônio genético e mudanças climáticas, que até pouco tempo eram majoritariamente abordados na agenda ambientalista, fazem parte do escopo da SEV, no MDIC. Como a experiência do Brasil nessas áreas pode colocar o país um passo à frente na agenda da bioinovação e da bioeconomia?

Essa agenda começou nos fóruns multilaterais ambientais por uma razão muito simples. A destruição massiva do meio ambiente em todo o mundo, a perda significativa de biodiversidade e os eventos climáticos extremos começaram a impactar o dia a dia das cidades, das empresas e das pessoas. A Convenção de Diversidade Biológica e a Convenção sobre Mudança Climáticas reuniram países que concordaram em tratar desses problemas e estabeleceram compromissos e metas. No caso da CDB há protocolos de implementação, como o Protocolo de Nagoia, que estabelecem parâmetros para o uso sustentável dos recursos genéticos. Essas regras impactam a forma como a Academia deve fazer pesquisa e desenvolvimento tecnológico de forma socioambientalmente responsável. Essas regras criam obrigações para as empresas que produzem a partir do uso da biodiversidade, para que esse uso seja sustentável e permita que os ativos da biodiversidade permaneçam disponíveis para futuros desenvolvimentos tecnológicos. Essas regras criam direitos de propriedade intelectual sui generes para proteger os conhecimentos tradicionais dos povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares. Todo esse arcabouço jurídico-institucional reconfigura as relações de produção e de comercio internacional.

O Brasil, felizmente, deu início a esse tipo de discussão internamente muito antes do que a maioria dos países. A legislação brasileira já regulamenta as regras de Acesso ao Patrimônio Genético e aos Conhecimentos Tradicionais a ele associados há mais de duas décadas. O Congresso Nacional revisou essa legislação em 2015, aprovando a Lei nº 13.123 de 2015 e o Poder Executivo emitiu o Decreto 8772 de 2016 para regulamentar novas regras, priorizando o incentivo à inovação, o respeito aos direitos de povos e comunidades tradicionais e a desburocratização dos processos de pesquisa, desenvolvimento tecnológico, produção e comercialização.

Nenhuma legislação nasce perfeita, os ajustes fazem parte do processo de aprimoramento. Mas o Brasil tem décadas a frente da comunidade internacional nesse ponto específico. Há conceitos que a comunidade internacional começa a discutir hoje na CDB que o Brasil vem debatendo desde 2001 e acabou redefinindo em 2015. O Brasil tem regras claras, objetivas e positivadas, de forma a oferecer segurança jurídica para as regras de ABS. O Brasil já está muitos passos à frente algumas áreas da legislação e da implementação institucional. O que precisamos, agora, é aproveitar esses avanços e potencialidades para promover uma reindustrialização por meio da Economia Verde. Vamos multiplicar os benefícios desse desenvolvimento econômico, reduzindo as desigualdades regionais e reduzindo as emissões de gases de efeito estufa. O Brasil tem uma chance única de se inserir de forma soberana e competitiva na economia global ao mesmo tempo em que protege seus bens mais preciosos, seu povo e seu meio ambiente.