Covid-19 e recuperação da economia


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A importância da Bioeconomia e de uma reestruturação econômica robusta para o desenvolvimento do país

por Lina Pimentel¹, Viviane Otsubo Kwon², Tábata Guerra³  de Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados

Os impactos do coronavírus têm sido discutidos em diferentes searas, e um dos pontos chave dos debates diz respeito à melhor forma de recuperação econômica mundial. Inevitavelmente, essa discussão requer que as empresas passem a considerar as questões ambientais e suas externalidades, bem como os impactos positivos em seus negócios.

A atual situação de pandemia ocasionada pela Covid-19 evidenciou o quanto a gestão de riscos e a governança pública e privada, para resposta rápida a situações imprevisíveis, são imprescindíveis para o desenvolvimento e crescimento econômicos não só nacional, como global.

A Covid-19 tem sido classificada por especialistas como um evento Black Swan e trouxe debates envolvendo sua relação com aspectos ambientais, sociais e de governança, conhecidos como ASG, inclusive relacionados à sua própria origem e ao seu combate. O Black Swan, teoria idealizada por Nassim Nicholas Taleb, classifica ocorridos que representam, para fins econômicos, evento raro, imprevisível e capaz de causar alto impacto no mercado financeiro. Entretanto, altos impactos ao mercado financeiro não são passíveis de serem causados apenas por Black Swans.

Em janeiro deste ano, um dos mais relevantes estudos já realizados pelo Bank for International Settlement (BIS) evidenciou o chamado Green Swan, ou Black Swan Climático, que afirma que apesar de os impactos das mudanças climáticas serem incertos, existe alto grau de certeza de que alguma combinação de tais riscos se materializará no futuro. Referida publicação aborda os riscos climáticos, indicando que a imprevisibilidade associada a tais riscos pode ocasionar a próxima crise financeira sistêmica, representando ainda ameaça à própria existência humana.

Indica, também, que para enfrentar e coordenar as medidas de combate às mudanças climáticas, além dos bancos centrais, reguladores do sistema financeiro, a sociedade civil, o setor privado e os governos exercem papeis relevantes no endereçamento dessa questão. Dentre as medidas sugeridas, destaca-se a precificação de carbono como política de mitigação climática expressamente mencionada e a integração da sustentabilidade nos negócios e demonstrações financeiras.

Para que todos passam participar das mudanças necessárias para uma economia de baixo carbono, requer-se que informações sobre as externalidades negativas e positivas sejam mensuradas, divulgadas e administradas. Com tais informações, os investidores e consumidores poderão tomar decisões com base em critérios mais amplos do que apenas levando-se em consideração o preço final do produto ou o retorno do investimento.

Indiscutível, portanto, a urgência de adoção de medidas regulatórias que acompanhem o movimento global voltado para uma economia de baixo carbono, legitimando e impulsionando as iniciativas do setor privado brasileiro, que já identificou oportunidades relacionadas a essa questão.

A crise atualmente vivenciada escancarou o que jazia por trás do modo de vida moderno. Do ponto de vista do meio ambiente natural, a relação do homem com a natureza acabou aumentando seu contato com a vida silvestre e com espécies que constituem reservatórios de vírus aptos a causarem doenças emergentes em humanos. Do ponto de vista do meio ambiente urbano, problemas estruturais e sistêmicos relacionados a saneamento, informalidade e desigualdade ficaram evidentes. As mudanças climáticas perpassam todas essas esferas, impactando a biodiversidade, os serviços ecossistêmicos, desequilibrando os ciclos hidrológicos, ocasionando secas e chuvas extremas que devastam cidades, entre diversos outros fatores.

Nesse contexto, a depender de como a retomada das atividades econômicas se dará, os riscos climáticos – que já são correntes – podem causar impactos ainda piores do que os que vivemos nos dias atuais. Idealmente, um modelo robusto de reestruturação econômica preocupado com as questões climáticas deveria advir de políticas de Estado bem elaboradas e coordenadas por lideranças engajadas, a exemplo do European Green Deal da União Europeia, que destinará mais de 1 trilhão de euros para financiar inciativas verdes, voltadas para a neutralização de suas emissões em 2050.

Eis o momento oportuno para destravarmos a bioeconomia⁴ no Brasil com parcerias público-privadas, alocação de recursos em pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação, redução dos entraves regulatórios, sem mencionar a formação, capacitação e geração de empregos voltados para uma economia de baixo carbono, que vai além da energia solar, eólica, hidrelétrica e biomassa.

O desenvolvimento econômico é impulsionado por grandes ondas de mudanças tecnológicas. Após as ondas da petroquímica e da tecnologia da informação, não temos dúvidas do papel relevante que a biotecnologia, os biocombustíveis e a bioremediação terão nos próximos anos, aliando desenvolvimento, inovação e conservação da biodiversidade, dos recursos hídricos, florestas e dos ecossistemas em geral.

De acordo com a OCDE, em 2030, as biotecnologias serão responsáveis por 80% da produção de fármacos, 50% da produção agrícola e 35% dos produtos químicos e outros produtos industrializados.

Nesse contexto, conforme identificado pelo BNDES, o Brasil dispõe de uma oportunidade privilegiada para se tornar uma potência bioeconômica ecológica e socialmente sustentável. Isso com base nas características e vasta biodiversidade local, no conhecimento tradicional, na solidez do agronegócio brasileiro, nas possibilidades de aprimoramento do uso de tecnologias de produção e no aumento de investimentos em bioindústrias destinados à fabricação de bioprodutos.

O Brasil tem muitas vantagens comparativas em relação a outros países para uma economia de baixo carbono. Precisamos agir de forma coordenada e integrada, para potencializarmos as oportunidades em vantagens competitivas com impactos socioambientais positivos para a sociedade. Certamente, a bioeconomia é um tema prioritário na agenda brasileira de desenvolvimento.

¹Lina Pimentel, advogada, sócia em Direito Ambiental do escritório Mattos Filho e pós-graduada em Sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral. Membro executivo do Comitê de Meio Ambiente, Saúde e Segurança da International Bar Association (IBA), coordenadora do Comitê de Direito Ambiental do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) e da comissão permanente do meio ambiente da OAB de São Paulo.

²Viviane Otsubo Kwon, advogada sênior e coordenadora de Direito Ambiental do escritório Mattos Filho, graduada pela USP, mestre em direito econômico internacional pela Universidade de Kyushu – Japão e pós-graduada em Conformidade Ambiental com Requisitos Técnicos e Legais pela Escola Superior da CETESB. Membro dos GTs de Finanças Sustentáveis e Análise de Risco ASG do Laboratório de Inovação Financeira, do Comitê Gestor do Compromisso com o Clima e da Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action.    

³Tábata Guerra, advogada sênior em Direito Ambiental do escritório Mattos Filho, pós-graduada em Direito Ambiental e Gestão Estratégica da Sustentabilidade pela PUC/SP, cursou LLM Summer Program na George Washington University Law School e é mestranda em Sustentabilidade na FGV/SP. Membro do GT de Análise de Riscos ASG do Laboratório de Inovação Financeira e da Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action.    

De acordo com o Conselho Alemão de Bioeconomia, a bioeconomia é definida como a produção e a utilização de recursos biológicos, incluindo o conhecimento para prover produtos, processos e serviços em todos os campos da indústria (em especial para alimentos e medicamentos) e do comércio no contexto de uma economia sustentável.

A Convenção de Diversidade Biológica da ONU, define biotecnologia como qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos ou seus derivados para fabricar ou modificar produtos ou processos para utilização específica.