Essa é a hora do Brasil ser o protagonista mundial em crédito de carbono

Por Thiago Falda¹ e Maurício Adade²

O Brasil tem a oportunidade de retomar seu papel entre os grandes protagonistas mundiais na área de meio ambiente e desenvolvimento sustentável, ciência e comércio internacional. Tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil, o PL 528/21.

Acredito que não seja necessário entrar no detalhe da importância da redução das emissões dos gases de efeito estufa, algo tão debatido nas últimas décadas e que a ciência já comprovou ser essencial para a continuidade da existência humana e de tantas outras espécies sobre a superfície do planeta. Ou seja, dar atenção ao tema não é mais opcional aos governantes mundiais.

A questão climática não tem fronteiras. O que um país faz, seja de positivo ou negativo, vai impactar toda a comunidade internacional. Isso é tanto um risco, como, no caso do Brasil, uma enorme oportunidade. E aí entra o PL 528/21 como um divisor de águas na história econômica, tecnológica e de comércio internacional do Brasil.

Em 1972 surge a pauta climática internacional, de forma bem embrionária. Depois tivemos importantes marcos, como a ECO-92 (ou Rio-92), o Protocolo de Kyoto em 1997 e o Acordo de Paris, em 2015. Nesse último encontro de líderes globais, ficou definida a meta de se zerar a emissão de gás carbônico (CO²) até 2050, o que é um caminho repleto de desafios.

Entenda-se zerar a emissão de CO² como deixar em, pelo menos, zero a zero, a conta de emissões menos a de ações de descarbonização do planeta. Como se fosse um balanço desse gás, de modo que não seja despejado na natureza mais CO² do que já existir a partir de 2050.

A lógica é simples, complexa é sua implementação. Para situações como essa é que existe a ciência. No caso, a bioinovação se apresenta como uma poderosa ferramenta para auxiliar a resolver essa complexidade. Para quem não é familiarizado com o tema, a bioinovação compreende qualquer tecnologia inovadora baseada em recursos biológicos e/ou renováveis, para o desenvolvimento de novos produtos, processos ou modelos de negócios, que resultem em benefícios sociais e ambientais e desenvolvimento econômico sustentável.

Para se ter ideia, a partir de resíduos agrícolas, industriais e urbanos é possível a produção de biocombustíveis, energia elétrica ou compostos químicos, idênticos àqueles provenientes do petróleo. Soluciona-se um problema de abastecimento energético e complementa-se a disponibilidade de matérias-primas para a indústria com a redução significativa na emissão de gases de efeito estufa. E assim como essas soluções, existem muitas outras.

O fato central que quero comentar é sobre o momento histórico que estamos vivendo. Países desenvolvidos, em especial os da Europa, já possuem regras para redução das emissões de carbono, mas, dadas as suas características geográficas e climáticas, dificilmente vão conseguir zerar essa conta sozinhos, sendo necessário utilizar o excedente do balanço de CO² produzido em outros países. Essa é a lógica do “crédito de carbono”, a criação de uma moeda ecológica que pode ser vendida e comprada por empresas, pessoas físicas e governos, sem fronteiras.

O mundo caminha para a transição para uma economia de baixo carbono e o Brasil tem características que permitem assumir o papel de maior produtor de créditos de carbono do mundo. O país tem vocação e a hora é agora.

Por isso, é essencial a regulamentação desse modelo. Segundo o Banco Mundial, mais de 60 iniciativas de precificação de carbono estão atualmente em curso no mundo. Entendemos que o mercado regulado é a forma mais efetiva de estimular o mercado de crédito de carbono e garantir o cumprimento dos compromissos assumidos. Mas, como aproveitar as características brasileiras e transformar os compromissos de um mercado regulado, e os consequentes benefícios ambientais, em desenvolvimento econômico?

Apesar das diversas alternativas que podem surgir para responder a essa pergunta, em todas a inovação e o desenvolvimento tecnológico terão destaque. A tecnologia e a inovação proporcionam alternativas para aumentar a eficiência da produção, a competitividade e a produção industrial, representando, assim, os principais motores do crescimento e desenvolvimento econômico de uma nação. Investir em tecnologia e inovação nas áreas que o país tem vocação é condição sine qua non para a retomada do crescimento industrial brasileiro, e aproveitar uma janela de oportunidade como a que se encontra aberta é o caminho mais curto e efetivo para atingir esses objetivos. Em outras palavras, construir um modelo adequado de mercado de carbono, que não gere burocracia excessiva, que estimule a tecnologia e a inovação para alavancar o crescimento industrial, baseado na descarbonização e reconhecido internacionalmente, deve ser um dos grandes objetivos do PL 528/2021. Esse caminho, se bem construído, criará condições para o país protagonizar as discussões internacionais e influenciar as tomadas de decisão que o colocarão novamente no protagonismo da sustentabilidade global.

O primeiro passo foi dado em 2017, quando o Congresso Nacional aprovou a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), que criou o primeiro mercado regulado de carbono no Brasil, nesse caso, específico para o setor de combustíveis. Resta agora expandir essa experiência bem-sucedida para os demais setores, sem sobreposição de regras e, muito menos, com taxação de carbono, o que acabaria por onerar ainda mais os processos produtivos no país. Queremos um sistema funcional que estimule as iniciativas descarbonizantes, a retomada do crescimento industrial e traga segurança jurídica para os investimentos que vão gerar muito retorno social, econômico e de imagem ao nosso país.

A problemática do desafio climático é tão complexa que não existe apenas uma solução para esse caso, porém a precificação de carbono é uma ótima estratégia para ajudar na resolução dos desafios da mudança climática. Quando esse modelo estiver rodando, devemos ver um salto no desenvolvimento de tecnologias voltadas à sustentabilidade no Brasil, além da geração de empregos e da entrada de capital estrangeiro, por meio de exportações de créditos de carbono. Só haverá resultado positivo para toda a sociedade. Mas, para ser verdade, tem que ser agora, ou perderemos uma incomparável oportunidade de liderança mundial.

¹Thiago Falda é Presidente Executivo da ABBI 

²Maurício Adade é Presidente do Conselho Diretor da ABBI,  Presidente da DSM América Latina e Presidente Global para Parcerias e Programas de Desnutrição para DSM