Brasil já faz parte da revolução tecnológica global em bioinovação e tem potencial para ser o novo supermercado do mundo




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Brasil já faz parte da revolução tecnológica global em bioinovação e tem potencial para ser o novo supermercado do mundo

O avanço da bioinovação é uma realidade mundial e o Brasil está inserido nesta inovação tecnológica. Se historicamente as indústrias automobilística, química e de informática chegaram prontas por aqui, no desenvolvimento da bioeconomia o país se reconheceu e vem marcando presença há mais de quatro décadas, a contar pela criação do Proálcool – Programa Nacional do Álcool.

Mirando nesse exemplo, o setor industrial alimentício pode se beneficiar da demanda do mercado para novos produtos e novos ingredientes, investindo em soluções para alimentos mais saudáveis, com melhor perfil nutricional, além de sustentáveis, e desta forma, atender os diferentes perfis do atual consumidor.

Atualmente, as proteínas alternativas despontam como uma nova tendência de consumo, e vários países já investem em biofábricas para a produção de carne cultivada em biorreatores a partir de células tronco do animal, com o mesmo valor proteico e sem os processos tradicionais de abate.

Dado que o Brasil é o maior produtor mundial de proteína animal e exporta quase 30% desse montante, o país tem como desafio manter seu lugar no ranking e ao mesmo tempo a oportunidade de desenvolver conhecimento científico e tecnológico. E a pergunta que surge é: Como o Brasil pode sair na frente e se beneficiar com essa nova tendência global?

“Nos habituamos a falar que o país é o celeiro do mundo, mas com investimentos maiores em tecnologia, podemos nos tornar, também, o supermercado do mundo e ainda ditar tendências na transição para uma cadeia de produção com eficiência superior”, responde Gustavo Guadagnini, diretor executivo do The Good Food Institute.

Para ele, os motivos estão postos e são reconhecidos internacionalmente: um agronegócio forte, conhecimento científico e tecnológico robusto, um imenso mercado consumidor, um cenário de empreendedorismo em franco desenvolvimento, além de experiência sólida na exportação de alimentos. “E não podemos esquecer dos novos comportamentos dos consumidores. A enorme produção e consumo de carne, aliados à crescente preocupação dos brasileiros com opções diferenciadas e saudáveis no prato resultaram em uma grande demanda por proteínas alternativas”, completa Guadagnini.

Reiterando de modo positivo ao enunciado, o presidente da DSM para América Latina e presidente do Conselho Diretor da Associação Brasileira de Inovação (ABBI), Maurício Muller Adade garante: “Temos, sim, muito potencial para também nos beneficiarmos dessa tendência global por novos alimentos e novos ingredientes. O país já tem representatividade no abastecimento mundial de alimentos, e é pioneiro em muitas inovações e tendências para o mercado agro”.

A essas oportunidades soma-se a grande biodiversidade de fauna e flora. Conforme Sérgio Pinto, diretor de Inovação e Novos Negócios da BRF, o avanço da valorização de ingredientes mais sustentáveis, incluindo a biodiversidade local é um caminho sem volta. “O Brasil como detentor da maior biodiversidade do planeta tem tudo para largar na frente, mas precisa evoluir na construção de uma cultura de maior valorização do consumo de produtos alimentícios brasileiros internamente e para exportação, bem como investir em polos de inovação sustentáveis para alavancar o desenvolvimento econômico de regiões com baixo poder econômico e de riquíssimo  poder natural.”

Na linha da exploração local, Guadagnini sublinha a quantidade de plantas que existem na região amazônica e o apelo que um ingrediente regional tem ao compor um produto que será vendido no mercado interno ou externo. “Usando ingredientes locais, podemos desenvolver novas fontes de proteínas, novas gorduras vegetais, ingredientes para compor aroma, sabor, textura, cor, e ainda há potencial de rentabilizar a comunidade produtora”, ele diz.

Também carnes de espécies exóticas podem ser produzidas de forma sustentável, segundo Marcos Pupin, diretor de Assuntos Regulatórios & Científicos da ABBI. Ele conta que, no campo das proteínas alternativas, as universidades brasileiras já estão desenvolvendo pesquisas, e cita as startups como o berço das tecnologias disruptivas. “Grandes empresas estão fazendo convênio com startups, pelo potencial que apresentam em pesquisas disruptivas”.

Para se ter uma ideia, o Radar Agtech Brasil 2020/2021, elaborado em parceria entre a EmbrapaSP Ventures Homo Ludens Research and Consulting, aponta em território nacional um montante superior a 1.500 startups só no agronegócio – as agtechs, que são as responsáveis pelas grandes inovações em parceria com as grandes empresas do setor.

Neste sentido, as circunstâncias parecem promissoras, já que, no último 1º de junho, o Marco Legal das Startups foi sancionado pela Presidência da República. Entre as novidades, agora elas “poderão contar com dinheiro de investidores sem que eles necessariamente participem do capital social, da direção e do poder decisório da empresa. Os investidores poderão optar pela compra futura de ações da startup ou resgatar títulos emitidos pela beneficiada, por exemplo”, informa o texto.

De acordo com o relator do Marco Legal das Startups na Câmara dos Deputados, o deputado federal Vinicius Poit (Novo-SP), as empresas com alto índice tecnológico e disruptivo, em qualquer segmento, têm se atentado para o fato de que conseguem chegar mais longe, com rapidez e resultados relevantes, em termos de mercado, em aliança com as startups. “Elas são as principais tendências e os maiores precursores em tecnologia e desenvolvimento, e vão ajudar na expansão do setor”, ele confia.

Assim seguiu a DSM, mas ainda no exterior, ao investir na  foodtech  holandesa Meatable,  em março último. A startup  desenvolveu uma tecnologia inovadora para a produção de proteína baseada em células tronco pluripotentes.

Potencial e oportunidades de mercado são essenciais, no entanto, para empreender a missão a que se apresenta o país precisa de aplicação de recursos em tecnologia, pesquisa e inovação e, claro, de celeridade na regulação de novos alimentos. Thiago Falda, presidente executivo da ABBI, faz um alerta relevante a respeito da necessidade de criar condições que estimulem a inovação no setor nacional de alimentos. Essas condições incluem marcos regulatórios modernos e estimulantes, redução de burocracia e redução do Custo Brasil.

Outros países têm mais lançamentos e isso tem a ver com a competitividade, tributos, mas também com as questões regulatórias impostas. As aprovações requerem agilidade para o produto não ficar ultrapassado”, explica Marcos Pupin. Sobre a proteína alternativa das biofábricas chegarem às prateleiras dos supermercados brasileiros, ele acredita que somente em 2024. Hoje, só Singapura tem a carne cultivada aprovada e disponível ao consumidor.

Gustavo Guadagnini conta que, na última década, as inovações tecnológicas avançaram de tal forma a ponto de oferecer inúmeras opções de produtos vegetais com uma experiência muito próxima a de produtos de origem animal em termos de sabor, aparência, textura e aroma, e avalia que essa experiência tende a se aperfeiçoar progressivamente. Maurício Muller Adade cita o recente desenvolvimento concluído pela DSM, de uma proteína vegetal única derivada de canola, sem modificação genética, chamada CanolaPRO®. “Ela tem um alto valor nutricional, sabor equilibrado e excelentes propriedades funcionais, contendo todos os aminoácidos necessários para a boa manutenção do organismo”, anuncia.

Para Adade, contudo, a proteína de origem animal consiste em um alimento de grande valor nutritivo e a tendência é que o seu consumo se mantenha nos próximos anos, principalmente nos países em desenvolvimento tais como Brasil e China. Por isso, ele acredita ser muito importante trabalhar a produção de proteína animal de forma sustentável, buscando alternativas que permitam o aumento da produção e, ao mesmo tempo, a conservação do planeta.

Nesta perspectiva, Thiago Falda inteira: “Conceitos como: melhor qualidade nutricional, bem-estar animal, sustentabilidade e meio ambiente são cada vez mais buscados por consumidores. Soma-se a isso a possibilidade de países sem tradição na produção de alimentos, por questões climáticas e territoriais, por exemplo, terem essa produção viabilizada pelas novas tecnologias. Se o Brasil quiser se manter no protagonismo desse setor, deve acompanhar o desenvolvimento tecnológico”.

Do ponto de vista de recursos, Sérgio Pinto enfatiza a necessidade de “investimento para facilitar a extração, industrialização e armazenagem de forma saudável, sustentável e acessível para o consumidor final”. Além dele, também Guadagnini destaca a aplicação de recursos para resolver os gargalos da cadeia de produção de alimentos, e ainda lista os desafios que podem ser resolvidos com o incremento de capital em tecnologias disruptivas: novas fontes de proteínas para os produtos de origem vegetal; aprimoramento da experiência sensorial (especialmente, textura, sabor); produção de carne cultivada na estrutura tridimensional; desenvolvimento de meio de cultura mais econômico, e de equipamentos, como biorreatores, em escala industrial; estruturação de bancos de linhagem celular, em substituição ao soro fetal bovino, muitas vezes utilizado como meio de cultura na produção da carne cultivada.

“Para isso, vamos precisar de profissionais altamente capacitados do agronegócio, como geneticistas/melhorista, médicos veterinários e zootecnistas, engenheiros de alimentos, engenheiros de bioprocessos, biotecnólogos, nutricionistas, biólogos, bioquímicos”, complementa o diretor executivo do The Good Food Institute.

Falda considera muito importante o Congresso Nacional caminhar com as pautas das reformas estruturantes, já que o Custo Brasil ainda é um empecilho para o progresso do país. Com o recente descontingenciamento do FNDCT, ele acredita no aumento da participação pública com capital de risco e na manutenção do Brasil dentro da revolução tecnológica global em bioinovação. “O fato é que a bioinovação oferece soluções indispensáveis ao crescimento da bioeconomia, e a ABBI trabalha para torná-las reais e conservar o país no posto de maior produtor mundial de proteína animal, porém com um cardápio de oferta ainda mais abrangente”, finaliza.