Bioeconomia é bússola estratégica para a descarbonização do Brasil

Será possível alcançar a transição energética no Brasil sem explorarmos o potencial da bioeconomia? Como podemos transformar biomateriais em recursos valiosos sem prejudicar o meio ambiente? A bioinovacão, isto é, toda tecnologia inovadora baseada em recursos biológicos e renováveis para o desenvolvimento de novos produtos, processos ou modelos de negócios, é uma das principais ferramentas para alcançarmos a descarbonização e, consequentemente, reduzirmos as emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Essa é a principal evidência do estudo “Potencial do impacto da bioeconomia para a descarbonização do Brasil”, organizado pela Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), em parceria com Embrapa Agroenergia, Laboratório Nacional de Biorrenováveis do Centro de Pesquisa em Energia e Materiais (LNBR/CNPEM), Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil (Senai/CETIQT) e Laboratório Cenergia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Cenergia/UFRJ).

A partir de modelos de avaliação integrada desenvolvidos e constantemente aperfeiçoados para avaliar o papel da transição energética em seus múltiplos usos — energia, alimentos e materiais — a pesquisa analisa diferentes trajetórias para o Brasil até o ano de 2050, no intuito de propor um cenário potencial da bioeconomia.

“Trazemos uma perspectiva na qual, além de atingir as metas do Acordo de Paris, o Brasil conseguiria produzir mais energia a ponto de também exportá-la, gerando crescimento econômico para o país.”, explica Thiago Falda, presidente executivo da ABBI.

Com a adoção de novas rotas tecnológicas, projeta-se que o país possa faturar cerca de US$ 284 bilhões por ano, quando comparadas às políticas correntes de mitigação de gases de efeito estufa. Os impactos incluem também a substituição de mais de 6,1 milhões de hectares de pastagens para comportar a expansão sustentável da produção de biocombustíveis e bioquímicos, bem como uma produção de cerca de 2 milhões de toneladas de carne cultivada.

“Para se ter ideia, o volume referente à recuperação de pastagens degradas equivale a quase três vezes o território da Alemanha. Desse modo, a principal mensagem que o estudo endereça é que a transição energética é o caminho para rompermos as fronteiras tecnológicas para uma economia de baixo carbono”, complementa Falda.

Para Gerd Angelkorte, doutorando no Centro de Economia Energética e Ambiental no Cenergia/UFRJ, a bioeconomia apresenta possibilidades viáveis para converter os desafios climáticos em oportunidades estratégicas para o país. “Com a bioeconomia auxiliando no cenário de descarbonização, encontramos outras medidas de redução de carbono tanto das matrizes energéticas quanto de biomateriais”, explica.

Ainda segundo o pesquisador, o diferencial da investigação científica encontra-se no uso de técnicas e metodologias desenvolvidas especificamente para o caso brasileiro, o qual compreende premissas demográficas, econômicas e tecnológicas para custos-efeitos de descarbonização. “O Brazilian Land-Use and Energy Systems (Blues) é um dos modelos marcadores do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), sendo o único de um país abaixo da linha do Equador listado”, explica.

Bioeconomia como ação complementar à transição energética

As evidências demonstram a clara relação entre o aumento da temperatura e as emissões de gases de efeito estufa. Por isso, o cumprimento da meta de 1,5°C estabelecida pelo Acordo de Paris demanda uma transição energética como política de adaptação às mudanças climáticas. 

No contexto brasileiro, cadeias plenamente estabelecidas de biocombustíveis já são realidade, como a produção do etanol em grande escala no território nacional. Do mesmo modo, a oferta da biomassa é uma alternativa de grande valor, visto a origem de resíduos agroindustriais, florestais ou de culturas energéticas.

Entretanto, a descarbonização da economia não é atingida somente pelas fontes de energias alternativas às fontes fósseis. A mitigação das emissões de GEE deve compreender a integração coletiva de diferentes setores. É o que aponta Paulo Coutinho, pesquisador do Senai/CETIQT: “Quando estamos falando de descarbonização, vamos além da transição de energias fósseis para energias renováveis. Estamos falando de tudo aquilo que tem impacto na produção de CO2, como floresta, terra degradada, substituição de produtos químicos e melhoramento da agricultura para convertê-la em matéria orgânica”.

Na mesma direção, Eduardo Couto, diretor do LNBR/CNPEM, chama atenção para o estabelecimento de um novo paradigma de produção e consumo industrial, englobando também a transformação e extração. O desenvolvimento de tais processos e tecnologias possui grande impacto no Brasil, país no qual há a maior produção de biomassa.

“Importante lembrar também que não basta ser renovável, mas também sustentável. Afinal, se utilizarmos mais água em um processo industrial de biomassa do que um processo petroquímico não se trata de um processo sustentável. Há um número de métricas que precisam ser considerados para a descarbonização da economia”, adiciona Couto.

Os porta-vozes apontam a prospecção de enzimas como forma de transição para uma biotecnologia industrial sustentável do ponto de vista da biodiversidade. Dessa forma, leva-se em conta a disponibilidade de água, os recursos naturais e a emissão de GEE. “A partir disso, geramos um aumento de riqueza em que não temos níveis de pobreza e nem falta de alimentação, obtendo assim um equilíbrio social”, pontua Coutinho.

Mesmo ainda em desenvolvimento, os benefícios diretos da bioeconomia são claros. Na opinião de Couto, “criam-se cadeias produtivas a partir de produtos com novas funcionalidades e fornecedores que não existiam antes, movimentando a economia nacional”. Em consonância, Angelkorte destaca: “Trata-se de oportunidades de crescimento da indústria brasileira por meio da resiliência dos diferentes setores quanto a mudanças climáticas”.

Políticas públicas e investimentos em pesquisa potencializam a descarbonização do Brasil

Soluções tecnológicas em bioinovação são imprescindíveis para reduzir ao máximo os danos que já estão sendo gerados pelo aquecimento global. Por sua vez, a construção de cadeias sustentáveis passa pelo planejamento de estratégias nacionais que pensem a bioeconomia de forma sistêmica, englobando o incentivo aos níveis de produção e consumo.

De acordo com os pesquisadores, a construção desse itinerário só é possível caso haja o esforço de políticas públicas que considerem os diferentes setores brasileiros no contexto de uma economia de baixo carbono. “As políticas públicas precisam ser fortalecidas de acordo com suas particularidades, já que biocombustíveis e biopolímeros demandam conjuntos de ações diferentes, por exemplo”, lembra Couto.

“Além do desenvolvimento de políticas públicas que considerem as vocações do país, a consolidação do mercado de carbono é fundamental. Segurança jurídica e propriedade intelectual também são vetores bastante caros aos pontos de ações para descarbonização”, adiciona Falda.

Outra conduta necessária é a constante aproximação entre indústria e academia, incluindo o compartilhamento de risco. Para Coutinho, deve-se levar em conta a importância da pesquisa de base feita pelos institutos e a aplicação de tecnologias por parte das empresas privadas. “Precisamos levar o mercado para a academia e a pesquisa básica para a indústria. Para tanto, podemos promover fóruns, análises sobre o potencial das investigações científicas e estudos de mercado para entender as áreas que podem ser mais aplicadas”.

Por fim, o diagnóstico de impacto da bioeconomia nas cadeias produtivas é uma importante etapa para a descarbonização do Brasil, de acordo com Angelkorte e Couto. Segundo os pesquisadores, é fundamental o trabalho conjunto para a produção de dados direcionadas às políticas públicas que enderecem e solucionem tais necessidades.

Torna-se claro que somente a integração entre os diferentes atores estratégicos e o estímulo à inovação possibilitarão que as vantagens comparativas do Brasil se convertam em vantagens competitivas. A valorização do país como potencial líder da bioeconomia avançada é fundamental para que passemos de exportadores de commodities a produtores de soluções especializadas, garantindo assim a soberania nacional, o crescimento econômico e o desenvolvimento humano sustentável.