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Com tantos ativos, por que o Brasil não investe em inovação e se torna parte da criação do futuro?
Por John Melo¹
Esta é a primeira pergunta que me ocorre para fazer ao presidente da república, caso eu tivesse a oportunidade de encontrá-lo. Pois, não consigo imaginar nenhuma nação mais rica em recursos naturais e em biodiversidade, e com pessoas tão trabalhadoras e desejosas por criar um futuro melhor para o próprio país.
Ao olharmos para o lugar que a biotecnologia ocupa hoje, e então avaliarmos o papel que o Brasil desempenha no cenário internacional, constatamos que o país é a principal fonte de uma das melhores matérias-primas renováveis existentes, a cana-de-açúcar, e possui potencial para fazer com que a energia sustentável se torne uma realidade global.
Mas, se o mercado brasileiro quiser ir além do fornecimento de matéria-prima precisa apoiar e criar uma base robusta em biotecnologia e bioeconomia, considerando que a
bioinovação é o futuro de tudo e que o planeta inteiro está se voltando para uma produção industrial sustentável. Ou então, seguirá apenas exportando commodities, enquanto o resto do mundo se beneficia e cria valor a partir da matriz nacional.
Nos locais onde pude atuar – China, Portugal e Estados Unidos -, embora existam particularidades e componentes críticos nos modelos adotados, os três países possuem em comum fundos de investimento focados em Economia Circular, Bioeconomia e Sustentabilidade.
Nos Estados Unidos predominam as parcerias público-privadas, com a liderança do setor privado suportado por investimentos públicos. Verifica-se também uma quantia significativa de capital de risco empregado no desenvolvimento de produtos inovadores, o que contribui para uma grande parte do crescimento e da inovação na economia americana. Agências como a
Defense Advanced Research Projetcs Agency (DARPA) se concentram em criar o que não existe. O smartphone é um bom exemplo de algo que possuímos e que não era realidade há 20, 15 anos.
Já na Europa, uma enorme soma de recursos públicos supera as parcerias público-privadas. Enquanto na Ásia, principalmente na China, prevalece o aporte governamental. Nos últimos dez anos, o mercado chinês lidera o ranking de inovação em sustentabilidade devido às recentes crises sanitárias. Foram elas, aliás, que orientaram o país nos cuidados com a sua população.
Comparado aos locais citados, o Brasil disponibiliza a menor quantia de investimentos públicos para dar suporte à inovação e à bioeconomia. Como resultado, agrega menos valor às tecnologias inovadoras, apesar de grande provedor de matéria-prima. O
descontingenciamento do
Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) pode ser uma oportunidade para reverter essa situação.
Eu acredito que a participação brasileira no contexto mundial dependa da criação de uma economia circular apoiada por um modelo de financiamento misto entre o público e o privado, como forma de diminuir o risco para o investidor privado que ainda possui um desafio cultural significativo: mudar sua mentalidade com relação ao fracasso.
No campo da inovação, especialmente da bioeconomia, é preciso estar confortável para fracassar, além de acreditar no método científico, uma vez que ela só acontece por meio do desenvolvimento de hipóteses, experimentos e aplicação, num determinado ciclo de tempo, para se obter dados. Esta é a forma de trabalhar, explorando o desconhecido, e estar no desconhecido significa falhar na maioria das vezes.
Mesmo levando em conta as questões estruturais e o fato de que as pessoas estejam focadas na sobrevivência em decorrência da pandemia, o que afeta a capacidade de olhar para o futuro e de criar coisas novas, é importante pensarmos que a maioria das empresas incríveis ao redor do mundo surgiram em tempos de muita dificuldade.
Nesta direção, nós temos um exemplo simples e atual: as vacinas contra o coronavírus, que representam com perfeição um modelo de parceria público-privada em escala global, totalmente focado em lidar com uma crise imediata, e que, ao mesmo tempo, abre oportunidade para os países criarem uma plataforma capaz de lidar com crises sanitárias futuras. Até porque a covid não será a única doença respiratória com a qual teremos que lidar.
E no Brasil, especificamente, houve, na última década, diferentes crises sanitárias. Por isso eu acredito na necessidade de o país investir em sua própria plataforma tecnológica de saúde e trabalhar junto com outras comunidades, beneficiando toda a sociedade.
A própria
Amyris possui tais tecnologias e pretende importá-las para o Brasil com apoio governamental, para investir na produção de vacinas de RNA. No passado, a empresa contou com recursos do
BNDES para a implantação das nossas fábricas de Brotas e Campinas, onde pudemos criar, a partir da biologia sintética – uma das tecnologias líderes no fornecimento de produtos sustentáveis -, um sistema de qualificação e um sistema de manufatura de organismos da mais alta engenharia.
Assim, ao invés de olhar para os problemas estruturais brasileiros e relacionar os entraves no campo da bioinovação, eu prefiro me ater aos imensuráveis ativos e riquezas do país e focar em maneiras de conseguir mais investimentos público-privado para transpor as barreiras locais.
Pensando melhor, eu não faria uma pergunta ao presidente, mas proporia um desafio: fazer do Brasil um dos cinco maiores polos inovadores do mundo, uma vez que está entre as grandes potências mundiais. E a propósito, estarei feliz em ajudá-lo.
¹John Melo é CEO da Amyris – empresa líder em ciência e tecnologia em pesquisa, desenvolvimento e produção de ingredientes sustentáveis para os mercados de saúde e beleza, fragrâncias e sabores. Com sede nos Estados Unidos, possui, no Brasil, parques tecnológicos nas cidades de Campinas e Barra Bonita.